Os odores emanados pela Lixeira de Trajouce já é tema mais que debatido. A Junta de Freguesia de São Domingos de Rana optou por esclarecer alguns pontos, não sendo, com certeza, a mesma opinião da Câmara.
Comunicado da Junta de Freguesia de S. Domingos de Rana:
Lixeira de Trajouce: quando acabará este pesadelo?
Na década de 60, a Câmara Municipal de Cascais destinou um terreno situado no lugar de Montijo, a um quilómetro da povoação de Trajouce, para fins de vazadouro dos resíduos produzidos no concelho.
Até 1985, a Lixeira de Trajouce recebia cerca de 130 toneladas por dia de resíduos sólidos domésticos e equiparados, sem qualquer cobertura ou tratamento, o que provocava permanentes situações de incêndios por auto-ignição, com a consequente poluição atmosférica por emissão de fumos e cheiros.
Em virtude de ter sido proibida de continuar a depositar cerca de 210 toneladas de resíduos na lixeira da Boba (Amadora), a Câmara Municipal de Lisboa tentou em vão estabelecer um protocolo com a edilidade cascalense, que permitisse a partilha conjunta do vazadouro de Trajouce, comprometendo-se a reconverter o mesmo em aterro sanitário, o que fez acelerar a discussão já existente da necessidade de implementação de algumas medidas correctivas na lixeira.
Assim, a Câmara Municipal de Cascais apressou as negociações com os municípios de Oeiras, Amadora e Sintra, na tentativa de encontrar uma solução intermunicipal para o destino final dos lixos, o que deu origem, desde logo, à assinatura de um protocolo de colaboração, destinado à realização de um estudo técnico-económico para a criação de um equipamento de tratamento industrial. O estudo em questão apurou a necessidade de ser construído, ao lado da lixeira, um aterro sanitário para o depósito dos resíduos não passíveis de tratamento e dos refugos originados pela própria estação de tratamento.
Lamentavelmente, a edilidade cascalense não salvaguardou os interesses da freguesia que viria a receber ao longo de duas décadas os lixos de quatro concelhos, introduzindo medidas compensatórias, como a implementação de projectos de requalificação urbana.
Fruto das referidas negociações, a TRATOLIXO, EIM, SA é criada em 1990, pela AMTRES - Associação de Municípios para o Tratamento de Resíduos nos concelhos de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra, tendo por objecto a gestão, tratamento e valorização dos resíduos sólidos urbanos gerados nos seus concelhos. A Tratolixo possui uma área de influência de 753 km2, servindo 864 599 habitantes.
Em funcionamento desde 1990, o aterro sanitário de Trajouce atingiu o seu limite em 2003. Desde então e apesar de se encontrar selado, este continuou a receber resíduos. Alguns foram encaminhados para outros aterros ou simplesmente queimados, tendo os restantes sido acumulados de forma ilegal e sem tratamento no já saturado aterro.
Também é sabido que, desde 2007, a unidade de tratamento de resíduos estava esgotada e absolutamente deficitária. Ainda assim, foi permitida a acumulação de mais de 150 mil toneladas de resíduos nos solos circundantes. Entretanto, parte dos responsáveis por toda esta monstruosidade continuam, impávidos e serenos, a pertencer à administração deste complexo.
Em momento algum foi assumido que a estação de tratamento não daria resposta eficaz ao crescente caudal de resíduos recebidos. O aterro de Trajouce, que deveria apenas dar apoio à referida estação, continuou a ser usado como destino final dos lixos, que acabaram por ser depositados em terrenos de consolidação muito fraca e sem um plano director adequado. Estes resíduos estão identificados como detritos de origem calcária, de terras, de parte de compostos e outros materiais, como restos de obras, que provocaram, entretanto, lixiviados resultantes da oxidação dos lixos.
Acresce ainda que a monitorização do aterro sanitário não foi feita com o devido cuidado e que os lixos foram manuseados de forma incorrecta, o que demonstra a existência de uma inadequada gestão da empresa Tratolixo e de laxismo por parte dos municípios que compõem a AMTRES.
Neste período foi detectada a contaminação de solos, havendo, até há data, grandes dúvidas se esta teria atingido os lençóis freáticos. Não é demais sublinhar que esta situação foi desde logo referenciada pelas entidades competentes como sendo de preocupante contaminação ambiental.
Em termos de lixeiras, aterros e aterros selados, existe um perigo real de contaminação de águas, tanto subterrâneas, como superficiais, dada a produção de lixiviados, não só devido às características químicas dos resíduos, mas também a uma sobrelotação do aterro. Este tipo de exploração representa uma parte considerável das pressões exercidas nas massas de água de uma vasta zona envolvente ao equipamento. Há muito que os poços ou captações subterrâneas deixaram de servir para consumo.
Entretanto, a Tratolixo foi alvo de vários processos de contra-ordenação por parte da Direcção Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território - três instaurados em 2007, por não assegurar a gestão de resíduos, um em 2006, por envio de resíduos industriais banais para destino não autorizado, e dois em 2008, por contaminação de solos com lixiviados no aterro.
Aquando a selagem do aterro sanitário em 2003, o presidente da Câmara Municipal de Cascais, António Capucho, manifestou o desejo de ali construir um campo público de golfe. Em 2007, o edil reiterou a intenção de implementar o referido equipamento desportivo nos antigos terrenos da lixeira de Trajouce. Já não estaremos vivos nessa altura!
No que se refere à valorização e ao destino final de resíduos, verifica-se que, ao contrário da prática da incineração adoptada noutros sistemas multimunicipais, a gestão de resíduos realizada pela AMTRES continua a revelar-se pouco adequada. Esta desconformidade aponta para a necessidade de serem desenvolvidas acções no sentido de reduzir a fracção de resíduos encaminhada para o aterro, possibilitando um destino final que maximize a sua valorização.
A actual administração da Tratolixo manifestou a vontade de resolver a situação, através da remodelação global das instalações e também da requalificação de outras componentes, apresentando um vasto Plano de Reabilitação Ambiental para aquilo que designou de Eco Parque, cuja área total é de 32,7 ha.
O Eco Parque de Trajouce será compreendido por:
▪ Central Industrial de Tratamento de Resíduos Sólidos com capacidade para tratar 500 toneladas/dia;
▪ Ecocentro;
▪ Etar;
▪ Lixeira com 14 ha (origem década de 60, selada em 1998);
▪ Aterro sanitário com 7 ha (construído em 1997 junto à antiga lixeira, entretanto selado em 2005/2006).
No seguimento deste plano, a Tratolixo propõe-se remover do aterro de Trajouce as cerca de 150 mil toneladas de resíduos em excesso, suspeitas de contaminação. Esta solução consiste na sua deposição numa cela previamente licenciada, onde será efectuada posteriormente a selecção dos vários tipos de resíduos, sendo que os perigosos irão ser encaminhados para as diferentes soluções já existentes em Portugal. A estimativa de custos está avaliada em mais de 2,5 milhões de euros e prevê-se que a execução da obra demore 21 meses após a aprovação do orçamento, um processo que se adivinha moroso.
Importa assegurar que o equipamento venha a funcionar correctamente num futuro próximo, visto projectos/’remendos’ anteriores destinados à resolução dos problemas existentes terem ficado muito aquém das expectativas, como a implementação do sistema de desodorização em 2004, que procurava neutralizar os maus odores resultantes da permanência dos resíduos sólidos nas instalações da empresa, nomeadamente no parque de maturação (local de forte emissão de maus cheiros).
A meu ver, a única solução para pôr cobro ao mau cheiro e a todo este imbróglio que compromete a qualidade de vida de grande parte da população residente da freguesia é a que há muito defendo: o encerramento da Central Industrial de Tratamento de Resíduos Sólidos de Trajouce.
O Presidente
Manuel do Carmo Mendes