Passam hoje cem anos da morte do escritor alentejano Fialho de Almeida. Nasceu em pleno coração alentejano em Vila de Frades a 7 de Maio de 1857 vindo a falecer a 4 de Março de 1911 em Cuba.
Foi considerado um artista de natureza anárquica, revoltado com tudo e todos. Como crítico de arte e de costumes, publicou uma série de folhetos mensais, onde o seu espírito revoltado estava bem patente: Pasquinadas, Vida Irónica e Os Gatos, estes últimos inspirados pelas Farpas de Ramalho Ortigão e Eça de Queirós.
Ao longo da sua obra, Fialho de Almeida sempre sentiu dificuldades de expressão, que fazem dele um escritor estilisticamente limitado. A sua obra, porém, permanece interessante, sobretudo pela finura da ironia e da crítica. Os temas que trata são variados: ora é a vida da cidade, com a sua pobreza, os vícios, a decadência, ora é a vida tranquila, serena e realista da sua terra, o Alentejo.
- Contos, 1881 (contos);
- A Cidade do Vício, 1882 (contos);
- O País das Uvas, 1893 (contos);
- Os Gatos, 6 vols., 1889-1893 (crónicas);
- Pasquinadas, 1890 (crónicas);
- Lisboa Galante, 1890 (crónicas);
- Vida Irónica, 1892 (crónicas);
- À Esquina, 1903 (crónicas);
- Barbear, Pentear, 1910 (crónicas);
- Figuras de Destaque, 1923 (crónicas).
Os Gatos:
"(...) Ah! como eu tive inveja do saloio que parou o burro à porta de uma mercearia de Bitesga, para comprar as duas dúzias de broas da consoada; do pobre engraxador da esquina, indo à praça, com a mulher, de fato rico, apreçar um quarto de perú; da varina entrando na salsicharia, radiante, a comprar salsichas, ao fim de ter deposto a canastra à porta,, rude presepe onde o filho loiro chuchava o dedo, com o ventre de sapo para o ar! Todas essas índoles do povo, roídas de penúria, vergadas de trabalho, primitivas, mas fecundas e convergentes, por uma fatalidade ancestral, à reedição das alegrias periódicas do ano, se me afiguraram infinitamente superiores à minha friável índole de janota céptico, demolindo no ar sem plano certo, negando pelo simples prazer do paradoxo, incapaz de estabilidade num problema, constantemente à procura de novo, e em cada topo de colina voltando-se, desesperado de só ter achado gosto - ao que era velho. Ó meu pobre coração amortalhado de tristeza! diz como te dói o isolamento a que uma inteligência estéril te votou. (...)
... dia de Natal, eu que conheço toda a gente, não tive ninguém que me dissesse "anda jantar". Vinguei-me saindo de casa, e engajando os primeiros va-nu-pieds eventuais. Dois pobres do asilo, os uniformes sem nódoas, pouco bêbados. Marchámos para o Augusto, e na sala comum, a uma de cujas mesas nos sentámos, houve reboliço por banda das meretrizes e irregulares que, mais alegres do que eu, ali tinham ido fazer o seu jantar, em partie fine. Não descrevo a comida, registando apenas o trabalho gasto em despersuadir os meus dois comensais de não meterem no bolso os restos de cada prato do festim.
À sobremesa, um deles, bêbado, como eu o fitava com uma piedade cristã de filho pródigo, confiou-me que estivera quatro anos em África, por um roubo, e o Conselheiro X o metera no asilo, havia sete meses. O outro, era um velhinho abaulado, olhos de doido irónico, que fugiam, falando pouco; mas todo o jantar o suspeitei de celerado; tanto os seus monossílabos humildes, e os seus contínuos escrúpulos de consciência, lhe davam um ar de homem de bem. À despedida, o mais velho chamou-me conde, e o mais novo, doutor, sem acertarem e lá foram cambaleando, a rogar pragas a quem lhes fizera o serviço de lhes notar no crânio a apoplexia. Pobres malandros! Deixai o meu egoísmo abusar da vossa fome. Sem vós, eu não poderia dizer, como toda a gente: "Jantei hoje o Natal com dois amigos velhos."
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