segunda-feira, 24 de maio de 2010

Outeiro de Polima, um pouco de história e estórias


Encontrei este artigo no sitío da Junta de Freguesia de São Domingos de Rana. Muito interessante e educativo para nos dar uma pequena imagem do que é esta nossa pequena aldeia. Poderão ler o artigo original aqui.

Outeiro de Polima

Até ao início da década de sessenta, a povoação de Outeiro de Polima era constituída por meia dúzia de casas. A chegada de emigrantes de diferentes pontos do país, principalmente da província alentejana, ditou o crescimento do agregado populacional a partir de 1961.


A bela e os monstros

'Que me desculpem os moradores e, especialmente, os naturais de Outeiro de Polima. Na verdade, ao olhar para o Outeiro de Polima de agora e ao recordar o que o Outeiro foi antigamente, a imagem que me ocorre é precisamente esta: a da bela e a dos monstros que lhe estão ao lado.

Ao lado, por dentro, a leste, a sul e, sobretudo, a poente – que aquele Cabeço de Mouro quem lhe autorizou o traçado urbanístico devia estar, nesse dia, em maré de fortes cólicas renais ou quejanda maleita espasmódica. E pariu-se um monstro, que não tem cauda por onde se pegue; mas, se calhar, também nem interessa pegar e que Deus lhes tenha a alma em descanso.

Pois Outeiro de Polima, quando não estava na péssima companhia em que hoje a puseram, ainda por cima com os odores ‘melífluos’ que, amiúde, lhe correm de norte, lá das bandas da lixeira de Trajouce, Outeiro de Polima era saudável e simpática terra saloia.

E que vistas gozava, senhores!...

Ele era, da parte sul, as colinas suaves e arborizadas (fica nessa direcção a Quinta do Marquês) até o olhar se prender na foz do Tejo; nas embarcações várias a entrar e a sair, em busca de sonho ou de alimento; no dorso gigantesco da Arrábida a terminar abruptamente no sagrado Cabo Espichel…

Para nascente, o vale do ribeiro da Freiria, o cômoro, os moinhos de Porto Salvo – e era Oeiras, já.

Para norte – ah! para norte!... – os campos de trigo, os tufos de zambujeiros e, ao fundo, solene, sagrado também ele, o corpo adormecido da Serra de Sintra, com seu palácio real no topo dum dos cumes e a Cruz Alta no outro mais adiante. E, aos pés, agora solene, a “villa” romana de Freiria, debruçada a remirar-se nas margens verdejantes do ribeiro…

No interior, meia dúzia de casais, de que resta, pelo menos, um, agonizante, na angústia do condenado à morte, que espera, a todo o momento, a injecção letal sem seringa desinfectada, estrondosamente derrubado, num abrir e fechar de olhos, sem que alguém lhe prante flores na sepultura ou por ele ouse deitar furtiva lágrima saudosa.

Lá está, no largo, janelas escancaradas já, telhado a abaular – que as traves apodrecem aqui e acolá. No pátio, outrora buliçoso, cresce a erva e seca e volta a crescer: há osgas, lagartixas, aranhões…

Diante dessa agonia, quem preza o património interroga-se: porque é que, em vez de terem feito casarão na encosta norte, para Centro de Dia e Centro Médico, as entidades não pensaram no casal, não falaram com os proprietários e não lançaram mãos à reabilitação?

Ficou, decerto, mais barato fazer casarão de raiz, como contrapartida (quiçá) pela aprovação de alguma das urbanizações ou de complexo fabril (dos muito que bordejam a estrada até ao cruzamento para Polima). Teria sido porém, obra meritória, a ressarcir entidades e loteadores (já agora!...) do crime que foi, por exemplo, a destruição do ímpar Casal da Pintora, na Polima vizinha…

Curiosamente, o casal é como a “villa” romana: a casa senhorial, mais imponente e alta, o pátio interior murado (o valado de pedra solta a dar pátina ancestral…), as outras dependências – para o crescer da família ou para acomodação das bestas e dos fenos e dos cereais – a juntarem-se-lhe pouco a pouco. Até por isso, como símbolo, o casal merecia preservado. E no sítio onde está, bem no coração da aldeia, era essa uma obra de muito louvar! O desafio aqui fica, o grito de alerta lançado, na velada esperança de que - quem sabe?... - a ideia floresça em manifesto eleitoral.

“Outeiro” – porquê?

Bastaria, portanto, a posição privilegiada que goza, entre a serra e o mar, bem lavada de ventos e maus humores (outrora…), para que o local fosse habitado desde as mais remotas eras.

E, sem nos demorarmos nos vestígios pré-históricos que Guilherme Cardoso identificou para os lados de Cabeço do Mouro (cujo nome, aliás, é bem sintomático), o certo é que o topónimo está sempre presente no rol das localidades de Cascais. Era um “outeiro” e como tal ficou. Juntou-se-lhe “de Polima” para distinguir de outros, pois que o nome Outeiro é bem frequente na toponímia, e não poderá inferir daqui que Polima tivesse mais importância que Outeiro. Ambos os lugares foram, durante séculos, habitados por uma população de agricultores e pastores, pois que as terras eram férteis e abundantes os mananciais de água.

E os romanos estiveram por ali

Data de 1913 a primeira referência ao Outeiro no domínio das antiguidades arqueológicas. Trata-se da conhecida nota, da autoria de Vergílio Correia, inserida no n.º 18 da revista “O Archeologo Português”.

Contando o que foi a sua “excursão arqueológica”, realizada a 18 de Outubro de 1912, “pelos arredores de Paço de Arcos e Oeiras”, escreve V. Correia a dado passo:

“Partindo de Tires para Porto Salvo, pelos montes, encontra-se um ‘cabeço mouro’, todo coberto de mato e, por isso, impenetrável; e, logo depois, num plano entre esse cabeço e a pequena povoação do Outeiro, uma estação romana, onde há restos de tégulas, potes e ânforas. No cerrado da primeira casa do Outeiro, divisei uma pequena ‘mola manuaria’, que decerto proveio da mencionada estação” (p.94).

‘Tégulas’ são telhas romanas, planas, com rebordo para encaixe dos ‘imbrices’, as vulgares telhas de canudo. Encontrar telhas significava que, ali, outrora, tinham existido casas. ‘Mola manuaria’ é expressão latina que significa ‘mó manual’. Encontrar uma mó significava que a actividade cerealífera era usual.

A pesquisa de Guilherme Cardoso

Coube a Guilherme Cardoso a identificação precisa do sítio dessa ‘estação romana’, de resto parcialmente destruída pela implantação, na parte superior do Outeiro, dos depósitos de água municipais.

As obras aí efectuadas cortaram um pavimento de boa argamassa, o chamado “opus Signinum”, e as prospecções que aquele investigador aí levou a cabo permitiram o achamento, no terreno com o número matricial 1349, propriedade do Sr. Elias da Costa, de abundantes pesos de tear (mais de duas dezenas!) feitos de barro, além de outros objectos indiciadores de intensa ocupação romana, como tijolos de quadrante (que serviam para fazer colunas).

A forte pressão urbanística sobre o local determinou a necessidade de rapidamente se formalizar o processo de classificação do sítio como “imóvel de interesse público”, com vista à sua preservação. Assim se fez e temos presente o anúncio publicado na imprensa local, para esse efeito, a 23 de Dezembro de 1997, por ordem camarária, na sequência do despacho de 13 de Fevereiro de 1989 da Senhora Secretária de Estado da Cultura. Um processo, como se adivinha pelo intervalo de tempo, que não foi fácil de gerir.

O sonho

Como tivemos ensejo de recentemente assinalar – e enquanto o proprietário não autorizar as escavações que dariam resposta às nossas interrogações e, inclusive, melhor nos ajudariam a definir a área “non aedificandi”, ou seja, a área de protecção do imóvel, o que traria notórias vantagens para toda a gente – é nosso entendimento que o sítio poderá ‘conter’ a residência do “vilicus”, ou seja, do rendeiro que ‘governava’ a “villa” de Freiria, que lhe fica aos pés.

O nosso sonho, ou melhor, os nossos dois sonhos são: poder, um dia, escavar integralmente o local, para o valorizarmos e determinarmos, ao certo, de que tipo de monumento arqueológico se trata; o largo do Outeiro, com o seu vetusto casal reabilitado, possa vir a ser a antecâmara dos visitantes daquela “villa”, que dali desceriam a pé, gozando do espectáculo admirável de umas ruínas bem integradas na paisagem urbana e paisagem rural.'



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